domingo, 4 de abril de 2010

Passeio Pascal

                      No rasto de...

Igreja matriz de Oeiras
Calvário, 1745, Miguel António do Amaral
Contingências de diversa ordem fizeram com que pela primeira vez, em muitos anos, tenha passado a Páscoa em Oeiras. Nesta época costumava rumar para norte, a caminho da aldeia, aninhada na raia montanhosa do Reino Maravilhoso. O retorno temporário à terra mater revitalizava-me.

Este ano fiz o percurso inverso. Cheguei a Oeiras quarta-feira à noite e nos dias seguintes andei no passeio marítimo. No primeiro dia senti-me como um bife no Algarve, satisfeito por andar ao sol. A primavera começou no equinócio de verão, dia 21 de março, mas a neblina, a chuva e o frio persistiam, passando dias à lareira. Gosto do inverno  mas chega uma altura em que anseio por ver sol.



A princesa chegou sexta-feira de Brisbane. Sábado convidou-nos para jantarmos no Pizzarela do jardim de Santo Amaro de Oeiras. Apesar de ser um espaço acolhedor,  com ampla vista para o jardim, e a clientela ser seleta, acho discrepante a relação preço-qualidade lá praticada. Verdade seja dita que também não sou apreciador de pizzas, exceto quando são apaladadas, como as que comi em casa do compadre Zé e em Curitiba, no bairro italiano de Santa Felicidade. Como gosto de anchovas, pedi uma pizza romana, pequena. As azeitonas não devem ter ido ao forno, estavam frias; o molho de tomate, insípido, não cobria toda a massa. Justifica-se pagar 9,90€ só pela pizza? No Campista de Chaves, por 8€ tomo uma refeição completa, incluindo delicioso queijo com doce de abóbora, café, vinho, pão, sopa caseira e meia dose farta de um dos pratos do dia!



Novamente sós. A princesa partiu para terras de Vera Cruz. No regresso de a ter deixado no aeroporto, fui até ao Paredão. O sol brilhava no domingo de Páscoa e o passeio marítimo estava atolhado de famílias tugas de todas as condições sociais. Estive a ver as gaivotas e depois fui à missa do meio-dia. 


Igreja de Nossa Senhora da Purificação, inaugurada 1744. As obras de construção, iniciadas em 1702, para substituir a pequena igreja paroquial então existente no local, arrastaram-se até 1737, ano em que o supertintendente Antonio Rebelo de Andrade, cavaleiro da Ordem de Cristo,  proprietário da quinta do Palácio do Egipto, meteu mãos à obra e financiou a conclusão de "tão magnífico e sumptuoso templo". O corpo desse benemérito jaz na capela-mor, em campa que pode ser vista.



O interior da igreja matriz, de linhas neoclássicas, é bastante harmonioso. Os altares e paredes laterais, revestidos de telas a óleo, restauradas há alguns anos, mostram aspetos das vidas de Nossa Senhora e de Jesus. São obras de arte que ajudam a compenetração e a meditação.

Impressionou-me a beleza da igreja,  especialmente o altar da padroeira, barroco, mas sem aparato, decorado com ramos de flores brancas.  O cheiro forte a insenso, saído do turíbulo, agradou-me, era como se inspirasse sopro divino. Até o feixe de luz no altar-mor sugeria a presença do etéreo no templo!

Depois de ver tanta gente tuga no Paredão não esperava encontrar a igreja repleta de fiéis. Foi reconfortante ver quarentões, trintões e alguns vintões  participarem na missa, sinal de que  pelo menos na Páscoa, apesar do fascínio exercido pelas catedrais do consumismo e do lazer, há quem preserve e partilhe, por momentos, um espaço destinado à espiritualidade.



Bonita pietà
Não beijo imagens mas entendo que a escultura e a pintura humanizam e aprofundam uma relação de espiritualidade. O catolicismo, com a sua panóplia de santos mediadores espirituais, é herdeiro do paganismo greco-romano.
Ser cristão, católico, para mim é um ato de afirmação cultural que tento preservar, tal como defendo a língua materna em que aprendi a relacionar-me com o mundo que me rodeia. A minha ligação à religião passa mais pela praxis e só parcialmente  pelo Credo. Não me interessa aprofundar eventuais incongruências doutrinárias; na ausência de inquisição a impor atos de contrição e de fé, a minha relação com Deus, heterodoxa, é a chama que me ilumina o caminho.


Órgão recentemente restaurado. Como gosto de música sacra, incluindo gregoriana e barroca tocada em órgão; como vibro ao som das cordas do violino; como sou apaixonado por coros de ópera, senti-me inebriado com as sonoridades da missa pascal. Parabéns ao organista, à menina violinista e ao grupo coral da igreja. O novo padre, como é um excelente comunicador, também está a conseguir reunir as hostes!



De tarde voltei ao passeio marítimo com o objetivo de detetar sinais da Páscoa no Paredão. Trabalho inglório!





O dia ensolarado e primaveril  encheu no entanto o paredão de tugas que circulavam aos magotes: em familia, em grupos de amigos e aos pares de enamorados. Solitários praticantes da caminhada e do jogging estavam em minoria na tarde soalheira.

Tuga, expressão usada por africanos dos PALOP, é  o ex-colono-branco, o Zé-português-de-Braga, o Chico-esperto hábil na arte do desenrrascanço, o alfacinha-da-volta-saloia, o Zé-da-canga do Bordalo Pinheiro...



Sinais de ser dia de festa, sem identificação com Páscoa, eram dados indiretamente pela multidão, concentrada nas esplanadas e passeando descontraída à beira-mar.



No passeio marítimo, espaço marcadamente laico, há no entanto marcas de cristandade na toponímia, em capelas, cruzes e imagens. Capela da Feritoria do Colégio Militar e Forte de São Julião da Barra são alguns exemplos.




Os católicos demarcam o território erguendo, em lugares estratégicos e bem visíveis, padrões, cruzeiros, alminhas, cristos redentores e imagens de padroeiros. Assim aconteceu à entrada da marina, do lado do mar, onde foi colocada a estátua de Nossa Senhora do Carmo, por "oferta dos emigrantes, em 21 de julho de 2006", conforme consta no pedestal.



A Senhora do Carmo, enquanto rainha  Mãe de Deus e símbolo de maternidade, é representada com Jesus ao colo e uma coroa. A sua principal característica é o escapulário na mão, que os fieis usam ao pescoço para se protegerem do mal. Antigamente, quando se rezava o terço, a seguir a cada mistério fazia-se a seguinte invocação: Senhora do Carmo, mãe do Carmelo, livrai as nossas almas das penas do inferno.
O edifício amarelo é a pousada da juventude, outrora pertencente ao Forte de Nossa Senhora das Mercês de Catalazete, construído em 1762.


Nossa Senhora do Carmo, Estrela do Mar, padroeira dos marinheiros, também é conhecida por Nossa Senhora do Monte Carmelo, título que relembra o convento em honra da Virgem Maria, construído no Monte Carmelo, na Samaria, nos primeiros séculos do cristianismo. O seu dia é festejado a 16 de Julho.




















































































O Forte de São João das Maias, em processo de restauração, fecha a praia de Santo Amaro de Oeiras.






















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